Leave Arianos Alone

17.9.16 -

É sempre um pouco complicada a fase de transição buscando-apê-pra-dividir-fazendo-entrevistas-também, ainda mais numa cidade com as dimensões paulistanas. As duas coisas, por mais distintas que pareçam, carregam o mesmo saco de perguntas clichês necessárias para se conhecer alguém melhor: o que você faz hoje? Onde já trabalhou? Quanto pode pagar? Acha que merece ganhar quanto? E a temida questão que tem, acredito, me eliminado - qual o seu signo?

Já é das tarefas ardilosas ser ariana num mundo burocrático e vagaroso. As pessoas que caminham se arrastando pelas ruas, a demora em responder cartas, mensagens ou o pisca do carro à frente, a falta de iniciativa e a pilha de vontades acumuladas porque ainda não, porque agora talvez, porque deixa pra lá. A gente queima, enquanto o resto da humanidade pouco transborda e mais aquece em banho-maria. A cara séria nos faz mal interpretados e as palavras mal ditas e atravessadas, pouco entendidos. Mas temos bom coração, gente. Eu juro.

Não eliminem logo de cara a nossa energia e pressa, deem outro voto de confiança às nossas trapalhadas e sorriso fácil, infantil. "Satanáries?" uma dessas moças que selecionavam para viver ou trampar questionou. É só mais um estigma que a sociedade criou para evitar o pioneirismo e a sinceridade que a gente carrega, miga. Vai por mim. Por trás dessa lã emaranhada e chifre assustador, tendemos a ser ingênuos e cordeais. Corretos, e também fãs de lealdade.

Nos convença que vale o amor e o rebanho que você terá alguém ali pra ouvir os desabafos sobre o cara que sumiu e aquela promoção que não rolou. Veja mais potencial que problema no nosso raciocínio rápido que terá um empregado feliz, determinado e companheirão, capaz de ~matar e morrer~ pela marca, lucro, limpeza, criança ou gestão.

Vai, nos chame pra compartir panelas e sofá e a sala de trabalho. A vida é curta demais pra desperdiçarmos fortes emoções e tanta vontade de fazer dar certo!

Desse jeito, vai ficar sozinha

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Escrevendo essas coisas polêmicas, vai ficar sozinha. Ish, falando de homem então. E, na maioria das vezes, mal. Depois não reclama. Quer se meter a discutir política. Acha que pode chamar você o garçom. Sai com essas roupas que não tapam direito a bunda. Bebe pau a pau com os amigos. Homens. O tempo tá passando. Vai ficar sozinha.

Ah, tem essa de querer viajar sozinha também. Ganhar salários exorbitantes. Homem é inseguro. Imagina, vai casar com quem depois? Claro, por que não se unir em matrimônio com uma pessoa especial? Depois, os filhos. Se sair por aí falando que evita uma coisa e foge da outra, pegou a rota pra solidão. Vai morrer velhinha e cercada de gatos. Vai ficar pra titia, dessas que enche de doces e compra brinquedos caros. Escuta o que tô falando, depois não adianta chorar.

Fica falando de sexo. Fica fazendo reparos na própria casa sem ajuda masculina. Cogita adotar um bebê e ser mãe solteira, consegue chegar ao orgasmo sozinha. O ego deles é frágil, eles gostam de se sentir necessários, importantes. Pra quê dizer que frequenta umbanda e acredita em espiritismo? Tem que mostrar que sabe menos, lê pouco, se despila e resguarda. Cê vai lá e escancara justamente o contrário, deixa claro que ok, se não tem ele, tem outro ou tem um filme, um livro e uns chás e tá ótimo. Já te falei pra ser menos hipérbole e mais eufemismo, cara.

Isso que dá querer tanta igualdade. É esse o resultado de fechar as próprias portas e aprender a abrir os próprios vinhos: que cara vai aguentar tanta potência, minha filha? Eles querem tranquilidade. Eles prezam por paz e quem faça o supermercado. Passam longe de qualquer dor de cabeça, imagine de você, que decidiu ser esse furacão que diz o que pensa e pede o que quer. Vai ficar sozinha.

Com a conta recheada, em plena cidade enorme, um closet que fervilhe opções e criatividade e um ou dois gatos: que mais eu poderia querer mesmo? Ser tratada feito mãe, empregada ou criatura submissa é que não tá nos planos.

Vocês, os rasinhos

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a minha geração é ridícula. melhor: sentimentalmente ridícula. além do medinho trouxa de se comprometer, rola uma despreocupação com o outro que me tira do sério. nada de "e se fosse com a sua irmã, gostaria que um cara a tratasse assim?". não, é aquilo: ela, ainda que pronome pessoal feminino e da 3a pessoa, é gente. só ouço amigas reclamar dos sumiços, dos absurdos e das babaquices que escutam, vivenciam, desesperançam. quando foi que repartiu a alma em tantos pedaços que esqueceu a delícia que é estar ali, inteirinho?

é bizarro. eles se partilham entre três ou quatro garotas pra não se entregar por inteiro pra uma só. como se fosse crime. tal qual ainda beirasse o ridículo ou cafona demonstrar afeto, sentir carinho, gostar de segurar a mão na rua. uma pergunta simples, como: "você tá solteiro?" se torna o maior dos trampolins pra que o próprio tropece na própria fala. tem uma garota, lá. mas assim, nada sério (ou seja: ainda quero ver você pelada). "só que tem essa mina e umas outras no rolê, como você, certo?" - errado, um equívoco; há muito já cansei da brincadeira sou-de-muitos-pra-não-ser-de-ninguém. meu limite de maturidade não é aceito pra adentrar esse playground.

prefiro mesmo a delícia de separar o kit e pular pra dentro do mistério alheio, sem receio, ojeriza ou parcimônia. acho sexy conhecer família, acho incrível acordar ali ao lado, com bafo matinal, acho importante desvendar horários, maus hábitos e esperanças que a criatura com quem trocamos fluídos carrega nas horas vagas. e acho, também, de uma bundamolice tenebrosa esse lance que inventaram pra que a gente obstrua a passagem de bons sentimentos e segure o máximo o muro das decepções intactos. se todos desencantarão, hora ou outra, pra que tanto esforço para se mostrar suficiente, gélido, fechado para balanço? sério, além de covardes cês são uns panacas.

a minha geração não nota o papel de idiota que segura firme pra reiterar que é livre, é desapegada, é incrível sozinha. é emocionalmente rasa, é feita da falta de flerte, da inexistência de trocas e da extinção dos namoros longos e respeito pelo que passou. todos insubstituíveis, enquanto teclam superficialidades e combinam rolês que furarão no dia seguinte. todos ocupados demais para responder mensagens, receber (& dar) carinho, olhar menos para o próprio umbigo. ser frio é o novo kitsch, contem a eles antes que seja tarde, jovenzinhos que amam signos.